top of page

Sabiam das horas pelo sol

A partir de um exercício íntimo de observação e também de reconstrução da memória procurei retratar uma geração que viveu numa relação simbiótica com a terra.

Num tempo anterior à mediação tecnológica, o tempo era marcado pela luz natural e o trabalho pelo ciclo das estações. A relação entre o homem e a natureza não era apenascontemplativa. A terra não era apenas paisagem.

Os meus avós, o Zé e a Juventina nasceram na Beira Alta em 1929 e 1936. Quando eram crianças tinham três tipos de sapatos: os de domingo, os muito usados e os pésdescalços. O pai da minha avó não a deixou estudar, dizia-lhe que quem precisava de saber ler eram os meninos que iam para a tropa. As mulheres não precisam, servem paraser donas de casa. Ao Zé ainda deram tempo para aprender o nome de todos os rios e ser militar onde o carimbaram como carpinteiro.

Não há nenhuma fotografia, mas sei que a minha avó usou o vestido que tinha para quando era mordoma da procissão do Sagrado Coração de Jesus.

Trabalharam juntos no campo e abriram uma taberna em Folgosinho onde tiveram a primeira televisão da aldeia. Foram pais de três meninas, mas uma delas morreu em criança.

O Zé trouxe a Juventina para a sua terra mãe, Oliveira do Hospital, onde construíram uma casa e compraram uma quinta nos anos 70. Aí ficaram o resto da vida.

As minhas primeiras memórias são do caminho a pé lado a lado com a minha avó, uns 10 minutos desde casa até à quinta. que carregava baldes pesados e via-a com a força que só ouvia descrita aos homens.Lembro-me de pensar nela como uma mulher forte

A rotina não tinha fins-de-semana.

O sol nasce

O sol vai alto

O sol já vai baixo,

O sol põe-se

Noite.

A rotina mudou a 15 de Outubro de 2017.

 

Entardeceu.

O sol pôs-se.

A terra ardeu.

Amanhã acordamos em tons de cinza.

 

Através da documentação da vida quotidiano dos meus avós desde 2013 pretendo fazer um elogio a todos os portugueses que quase não sabem ler nem escrever, aosportugueses que trabalharam muito e que dizem que “no meu tempo é que era difícil”, aos homens que morrem quando já não conseguem cavar.

Sou um parágrafo. Clique aqui para adicionar e editar seu próprio texto. É fácil.

© 2024 Bárbara Monteiro

bottom of page